O homem de chapéu

Microconto Inabitual
O homem de chapéu entrou enquanto Tereza lia um inofensivo caderno de TV do jornal. Ávida em saber de antemão o episódio de hoje da novela das oito. Trabalhar na biblioteca não era difícil. À Tereza, cabia a tarefa de registrar os empréstimos de livros, DVDs e CDs. O emprego que pediu a Deus. Sem ninguém para torrar a paciência. Acessava a internet o dia inteiro, lia a Caras, fazia palavras cruzadas.
Ao encerrar o expediente avistou o homem de chapéu. Cutucou o ombro dele. Estamos fechando, disse. Não encontrei o que estou procurando, retrucou o desconhecido. Ela insistiu. Os dois travaram réplicas por dez ou quinze minutos. Por fim ela deu o ultimato: iria chamar a segurança. O homem a olhou tão dócil. Deixe-me aqui, por favor. Tereza saiu decidida a avisar o guarda. Cerrou a porta. Ao sair, acometida de comiseração, pegou a lotação para casa. Dias e meses se passaram e o homem de chapéu continuou dentro da biblioteca vasculhando pilhas de livros. Encontrou? Não. Tereza encarregou-se de comida e bebida para o novo hospéde, ele usava o banheiro da biblioteca.
Em um dia comum, pela manhã, o homem de chapéu desapareceu. Tereza procurou-o por todos os cantos. Nenhum vestígio. Só restava buscar os livros, os milhares de livros do acervo. Iniciou a investigação. Os médicos deram o diagnóstico à família de Tereza: esquizofrenia. Todos que chegam à biblioteca querem ver a mulher que devora os livros incessantemente em busca do homem de chapéu. A bibliotecária deixa uma bandeja de torradas e uma xícara de café na mesa. Tereza come lentamente enquanto lê um livro qualquer.

6 comentários:

Ana P. disse...

Mas olha só... Tereza tá certa, tem que procurar o homi, ele num pode sumir assim não... ah, mas vá! Eu procuraria junto com ela!

principesca disse...

Olá! Confesso que quando leio textos assim morro de inveja! Como eu queria saber escrever contos. Restam-me os devaneios sem sentido, escrita pós-moderna, contemporânea sei lá do quê, em que ninguém entende porra nenhuma. Eu adorei esse conto, e me lembrou muito o "Bartleby" do Melville, sabe? Abraço.

Larissa Marques - LM@rq disse...

Li apaixonadamente, quem dera alcançar prosas perfeitas! (suspiro) Mas não posso pedir mais nada. Beijo!

octavio roggiero neto disse...

Tereza, quantas vezes os livros nos revelam seres mais reais que estes fantasmas que vagam pelas ruas... liga não proqueles dizem! viva teu sonho! aliás, as torradas hoje estavam muito boas...

forte abraço, Antônio, e té mais ler!

david santos disse...

Olá, Alves!
Vou acompanhar de perto a tua vinda até aos blogues. Tenho a ideia de que te vais sair bem. Mas atenção! Quero textos curtinhos.
Para já, tudo bem.
Tem um bom fim-de-semana.

diovvani mendonça disse...

Talvez ele tenha se mudado, para debaixo do chapéu da imaginação de Tereza. AbraçoDasGerais.