Elogio do Quintal

Microconto Inabitual
Meu irmão e eu aproveitávamos a chuva torrencial para brincar de barquinhos de papel nas correntes que se formavam no quintal. De quando em vez algum gafanhoto desavisado caía em nossas garras. Era o pirata. Em tempos secos quatro tijolos serviam de traves de campo de futebol, uma algazarra só a meninada vizinha correndo de cá para acolá. O espaço grande, com mangueira, cajueiro, o poço, a antena, a caixa d’água, ideal para brincar de esconde-esconde O primeiro beijo em Rafaela naquela noite.

Foi um qüiproquó a chegada do casal espanhol. Tão afoitos ficamos os dois que perdemos todas as bolinhas de gude para as gêmeas da rua de baixo; e perder para menina significava ter a própria honra escorrida por entre os dedos. Conversa de adulto, difícil de decifrar. Boa coisa não poderia ser. Trancaram-se no escritório. A entrada no escritório só era permitida a papai, mamãe, à empregada e gente ruim. Sim, quando outra pessoa entrava lá sinal de mau agouro. E o mal prevaleceu.

O tempo é imune a sofrimentos. Vai, vai, vai. Aquela redoma de verde-árvore e branco-terra sumiu na poeira dos anos. Ontem meu irmão disse que nunca se sentiu livre depois que o quintal se esvaiu, ele tomou nojo de espanhol. Exagero dele. Quando nos encontramos (o que é raro acontecer) não há outro assunto: o antigo santuário da infância. Ah, se tivéssemos mais uma chance tenho certeza que ganharíamos as bolinhas de gude das gêmeas.

14 comentários:

Anônimo disse...

Lindo texto sobre recordações e saudades, e quem não as tem??
Uma ótima semana!
Beijos

Van disse...

Querido....
Seus comentários são sempre um deleite!
Adoro quando os faz!
Venha mais!

Beijuca

Ana P. disse...

E digo mais, não tem coisa mais séria no mundo do que criança quando pega raiva de alguém!!!

[a gente guarda pro resto da vida, pq diferente dos adultos, levamos tudo muito muito muito a sério!!!]

Sandra Regina disse...

Me vi num distante domingo... brincando com os primos (todos meninos!!) de bolinha de gude... (eles sempre me deixavam ganhar!!.rsrsrs) Obrigada por me avivar a memória com este belo poema!! beijos nostálgicos

Anônimo disse...

Olá!passando para agradecer a tua visita no meu espaço.Adorei tudo por aqui,teus textos são uma gostosura de ler.Tenho um post bem recente que fala meio que desta época da infância entre bolas de gude e momentos felizes.acho que a infância de cada pessoa daria um livro ou uam novela.a gente tem sempre tem algo guardado no fundo dalma.Abraço grande!

Pedro Pan disse...

, prosa da boa. e cinematpgráfica. dá pra visualizar cenário, personagens, época... e lembranças de santuários assim é bom de se ler, sempre.
, agradecido por a visita em quimeras. volte quando desejar. voltarei aqui outras vezes também...
, abraços meus.

Feliz disse...

ah, as bolinhas de gude... pequenos planetas coloridos...

Anônimo disse...

Fez-me lembrar dos barquinhos de papel da minha infância.

Belíssimo texto.

Agradeço-te a visita e o carinho do teu comentário em minha página.

Boa semana para ti!

Beijinhossss

Larissa Marques - LM@rq disse...

Meu querido, desculpa pela demora, mas o tempo tem me afogado, estou editando mais dois livros e não é fácil esse caminho. Mas voltando ao importante, que texto maravilhoso, falar de infância traz esse gosto de velhice na boca, esse gosto de que nunca aproveitamos o bastante, as bolinhas de gude, o estilingue, o biloquê! E os irmãos, ah esss crescem, viram adultos chatos e estrnhos, quem disse que não somos estranhos também!
Beijo grande!

deep disse...

..afoitos até das nossas mãos advir o gesto trémulo da entrega...digerimos a perca procurando a segunda opção...mas crescemos assim

um abraço

Larissa Marques - LM@rq disse...

Coloquei você como convidado do Livro aberto, na minha coluna esse mês, ok? Com esse seu conto. Beijo!

Larissa Marques - LM@rq disse...

http://folhasouvento.blogspot.com/2007/06/convidado-antnio-alves.html
Endereço da coluna, caso queira olhar.

diovvani mendonça disse...

Lembranças de quintais, são das melhores coisas. Eu gostava é de apresionar vaga-lume, em caixinhas de fósforos. Quanta maldade, minha inocência já cometeu! Suas traves com tilojos me fez lembrar de um antigo poeminha que escrevi e que deixo para você:

PELADA
Um pé descalço, faz gol!
Dois chinelos, também.

AbraçoDasMontanhas

mg6es disse...

Caríssimo, perfeito! E quem não se viu com dedos a estalar bolinhas de gude, este, não teve infância, nem quintal.

[]´s